Não tem impeachment, mas tem CPI da Covid-19


     “Não foi o acaso ou flagelo divino que nos trouxe a este quadro. Há responsáveis, há culpados, por ação, omissão, desídia ou incompetência e eles serão responsabilizados. Essa será a resposta para nos reconectarmos com o planeta. Os crimes contra humanidade não prescrevem jamais e são transnacionais. Slobodan Milosevic e Augusto Pinochet são exemplos históricos. Façamos nossa parte”, disse o senador Renan Calheiros no primeiro dia da CPI. Estaria o presidente Bolsonaro preocupado com a história ou apenas com o futuro das urnas em 2022?

 

    As palavras do polêmico e experiente senador serviram como guia da primeira semana no Congresso, e continuam a guiar as próximas. Me parece que a comissão vai funcionar mesmo é como uma demonstração de que há conhecimento sobre o desgoverno na pandemia e que as contas serão cobradas de alguma forma. Não conseguindo emplacar o impeachment, fizeram uma CPI. Ela dura três meses de início, tempo que os inconformados (tardios ou antecipados) com Bolsonaro terão para chacoalhar o recente histórico de erros do Planalto com a Covid-19, podendo, sim, adicionar mais uma preocupação na mente dele, além da obsessiva conquista de seu segundo mandato. 

 

    Calheiros disse também que a comissão vai requisitar à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) a gravação de todas as decisões da diretoria sobre processos envolvendo a compra de vacinas. Por lei, as reuniões dos órgãos reguladores precisam ser gravadas. Aqui está um pavio que poderá acender várias bombas no decorrer dos próximos meses. O que ouviremos de seus responsáveis sobre a vacina, essa que tanta falta nos faz, quando conhecermos essas gravações?

 

    A CPI deve funcionar também como arsenal da oposição, armas a serem usadas em 2022, contra Bolsonaro. Agora, há a oportunidade de apontamento e responsabilização moral de membros do governo. É colocar uma lupa e registrar o posicionamento de deputados, senadores, ministros, órgãos reguladores, administrativos e aliados de Bolsonaro, durante esses anos tão pesados e solitários para o Brasil, que ficou isolado do mundo por culpa da insistência política de um presidente na retórica da negação. Renan também quer ver documentos, atos normativos e a estratégia de comunicação do Planalto, durante a pandemia. O peso da contribuição com o caos e a falta de preparo para enfrentar o calvário covidiano. As defesas de condutas criminosas serão expostas e, mais uma vez, demarcadas. Aqueles que escolheram o lado errado serão citados e poderão ser interrogados. Tarde demais para voltar atrás.  

 

    Como o impeachment ficou fora de foco, a CPI foi a maneira encontrada para mostrar que os descuidos e o negacionismo do Governo causaram uma reação nos congressistas brasileiros, em quem tem mandato e também precisa responder à população e à própria consciência. A responsabilidade e defesa da vida dos brasileiros não podem ficar apenas em discursos e posts de rede social dos parlamentares. Algo mais concreto tinha mesmo que ser feito.

 

A CPI da Covid é só mais uma CPI?

 

    Não. Ela é muito importante e necessária porque vai deixar escrito na história do Congresso Nacional as ações que conduziram o país a enterrar quase meio milhão de pessoas, deixando vítimas sem remédios básicos para intubação, oxigênio, levando ainda mais sofrimento para quem teve a doença e precisou se tratar em hospital público. O agravamento da situação é um dos focos investigados para saber como o governo aumentou os danos.

 

    Mandetta, o ministro da Saúde mais eficiente e contrário ao negacionismo de Bolsonaro, deu notoriedade à influência dos filhos de Bolsonaro na condução da pandemia, mencionando em seu depoimento a participação de Carlos Bolsonaro em reuniões, um ponto sensível ao presidente. Renan Calheiros, relator, disse que os filhos do presidente ainda não serão chamados para depor. Mas a fala serve também, como toda a CPI, para deixar o planalto de sobreaviso. Qual terá sido o real papel deles? 

 

Ausência perturbadora

 

    O ministro general, negacionista e obediente, que aceitou a ordem de Bolsonaro para cancelar a compra de 46 milhões de doses de vacina, fez seu nome ainda mais presente por não comparecer ao depoimento marcado. Eduardo Pazzuello, o mesmo que perguntou ‘para que serve a máscara’, flagrado passeando num shopping em Manaus e sem a proteção, alegou suspeita de Covid. Real ou não, o motivo lhe deu mais tempo para controlar o nervosismo e se preparar para ser questionado por suas ações desastradas como ministro da Saúde.

 

    Já o também ex-ministro Nelson Teich (sim, mais um que passou pela Saúde, foram 4) conduziu com calma a previsibilidade de suas respostas. Falou vagarosamente de forma a se desviar de qualquer responsabilidade dele sobre a prescrição de cloroquina. O presidente da Comissão, Omar Aziz, o lembrou que não seria útil responder  perguntas com “não me lembro”, para não transformar o depoimento em algo sem sentido.

 

    Teich provavelmente falou mais durante seu depoimento na CPI do que em todo o mês que ficou no ministério, de onde saiu por não aceitar a posição de Bolsonaro como divulgador da cloroquina.

 

 É pequena, mas insistente e errática

 

    A turma pró-Bolsonaro tem apenas 4 políticos, mas está concentrada em prolongar a mentira do governo sobre tratamento contra o vírus. O foco parece ser a cloroquina; falaram em estudos que atestam a eficiência do remédio, na piora que a situação teria não fossem os ‘kits covid’, o tratamento precoce. Chamaram o ex-ministro Mandetta de genocida, tentando inverter o ataque ao alvo que recebeu esse ‘título’, que é Jair Bolsonaro. Parecem jogar com a lógica bolsonarista digital de seguidores do presidente. A aposta dobrada no negacionismo, na boca de senadores da República, pode estar entre as opções de epitáfio desse governo, mesmo sendo gigante a lista de ofertas. Ainda me pergunto a razão que valeria tanto a pena para deixarem suas biografias nas mãos do crupiê extremista. O que vão ganhar esses senadores com isso? O Brasil estará atento.

 

    É nauseante ver a insistência na aposta retórica de Bolsonaro, depois da morte de quase meio milhão de brasileiros. Em plena CPI, seus soldados não se importam com a vergonha e o crime de defender um remédio que não trata a Covid-19 e que pode causar graves efeitos colaterais. 

 

    Essa semana falam à CPI o ex-secretário de Comunicação do governo, Fábio Wajngarten, representantes da Anvisa e da Pfizer.  

 

 

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