Impeachment e manifestação #3J. Que país você quer para você e para os outros?

 Mais um dia de manifestação e as ruas ficaram cheias, novamente, ao redor do país. Não só eleitores e ex-eleitores insatisfeitos com o presidente da República, encantador de 57 milhões de pessoas que lhe deram seu voto, há dois anos e meio, querem ver o capitão tirar a faixa de presidente. Mas querer outro presidente é querer também outro país?

 

     Será o impeachment a colocar o Brasil, a sociedade, a vida numa rotina mais aceitável? Com mais de 500 mil mortes por Covid-19 e a insistente negação da principal autoridade do Brasil em validar a existência da pandemia, mesmo com tal número de vítimas, grande parte da população esgotou a paciência com o estilo agressivo e lunático de Bolsonaro. Seu governo funciona como usina de polêmicas, mas é inerte e incompetente diante das demandas do país, onde os que moram enfrentam ainda inflação, fome, desemprego e violência. Antes, durante e, provavelmente, depois da pandemia. A realidade fala mais alto que robôs de internet, que declarações estapafúrdias no cercadinho do Planalto. É o que espero.


    Quem vai conseguir unificar um país de mais de 200 milhões de desejos, de sedes de oportunidades e de lugares ao sol à frieza e distância do sistema político? O quê ou quem vão colocar o país num caminho melhor, mais saudável? A política, um político? Um terceiro mandato de Lula (49% em pesquisa)? Não há outra fórmula disponível para a sociedade senão a de expor um rosto aos desejos, ambições e expectativas de país de cada cidadão, para depois aprová-lo ou reprová-lo nas urnas. Ganha a eleição o político que conquista a maioria.     

    

    Que não tenhamos outro candidato forte, além de Lula, é o sintoma maior da polarização que mantém o debate refém do exagero emocional e paralisa a implantação de projetos executáveis para o país.

 

    É do sistema político e está prevista na Constituição Federal a possibilidade do afastamento do aventureiro Bolsonaro. Há a suspeita de não tomar atitude diante de irregularidades cometidas no Ministério da Saúde, durante seu governo, para compra de vacinas. Além disso, há 23 crimes listados no superpedido de impeachment de Bolsonaro. Nesta segunda, o site UOL revela gravações de ex-cunhada que podem ligar o presidente diretamente ao caso de rachadinhas de salários no tempo em que era deputado. 

 

    Fala-se no quanto é ruim para a imagem, para a estabilidade e credibilidade do país mais um afastamento de presidente. O terceiro em pouco tempo de redemocratização. Mas e a permanência de uma figura errática como Bolsonaro, agora com suspeitas de corrupção justamente na compra de vacinas, numa época que perdemos mais de 500 mil pessoas? São mortes que também escancaram os danos dessa prática. A bandeira anticorrupção desse governo, no qual jamais acreditei, agora caída e prestes a ser pisoteada, depois das revelações sobre irregularidades na compra de vacinas, deixa restar apenas as ameaças e o radicalismo bolsonaristas, mais uma vez.

 

    O caminho é sempre político. Não há contorno, não há escapismo, por mais nauseantes que sejam as palavras e atitudes de alguns políticos. Há parlamentares, que mesmo eleitos pelo voto, tentam desgastar a democracia, causando confusão no entendimento do que é um país livre e democrático. Causam repulsa apoiando atos anti-democracia e exaltando a ditadura. A resposta para eles é a política, a garantia de seu funcionamento e a divulgação do modo como ela funciona e como pode ser aperfeiçoada. É o que manterá o Brasil num caminho menos errático.


    O título “Entre o mundo e eu”, livro do jornalista Ta-Nehisi Coates, faz pensar que a política é o que está entre nós e o que queremos para nossas vidas. Coates narra para seu filho os inúmeros desafios de ser negro nos EUA, de manter intacto seu corpo negro diante da abordagem policial, diante de um estado que objetifica o corpo negro. “Nossa política atual lhe diz que se você fosse vítima de um ataque assim e perdesse seu corpo, isso, de algum modo, teria sido culpa sua. O agasalho com capuz de Trayvon Martin o fez ser morto”, escreve sobre o assassinato de um jovem negro por um vigilante, uma das tantas mortes que cita no livro. 

 

    No mundo civilizado, a política sempre está entre nós e o lugar onde queremos viver e sermos quem somos. Sem medo. 

 

    Que país você quer para você, mas que funcione para todos, para aqueles que tem necessidades diferentes das suas? O país que está entre nós e a política, a que aceitamos e validamos, é o país que precisamos planejar.

 

    É óbvio dizer, mas ele tem que ser para todos. Um país com presidente e com cidadãos que pregam separação, segregação e que estimula ódios não tem como dar certo e ser um lugar viável. Por isso é tão importante a permanente observação da maneira como a política é feita e quais são os interesses de quem tem influência sobre ela, suas conexões e objetivos. 

Comentários