Por que você lê as notícias que você lê?

    

    A semana está acabando e penso no que farei do meu fim de semana. Devo ler notícias no sábado e domingo? Devo ler ficção? São tantos os assuntos sobre os quais não sei coisa alguma, que escolher uma leitura de não-ficção seria útil, talvez agradável. Eu não deveria pensar muito nisso, mas relendo um livro do qual gosto muito (já conto qual é), não consegui evitar o pensamento sobre dividir melhor as horas livres das ocupadas, sobre lidar melhor com a presença onipresente e avassaladora da internet em minha vida, nos últimos anos. 

 

    Acabei de desconectar do Twitter (se é que é possível) e não compartilhei uma notícia justamente por causa dessa leitura. 

 

    O livro é “Notícias: Manual do Usuário”. Alain de Botton parece ter conseguido dizer quase tudo o que há de relevante sobre a produção jornalística em seu pequeno tratado, fácil e gostoso de ler. A notícia que eu desisti de retuitar é sobre a decisão do pai de Britney Spears abandonar a tutela da filha cantora. Num tweet acima, estava a notícia sobre o ministro do STF aceitar denúncia contra Bolsonaro. Logo abaixo, tuitaram sobre a monja Coen porque ela virou conselheira de uma fábrica de cerveja, e por isso virou notícia. Faz meses que Congo, Nigéria e Botsuana não aparecem na minha timeline. Estaria tudo tranquilo por lá? Sabemos que não.

 

    Antes de seguir, se você também fica mareado com as ondulações duvidosas do noticiário, lembre-se de que Bolsonaro foi denunciado pela suspeita de espalhar notícia falsa! Mais um sinal do quanto a boa apuração de notícias é prática cada vez mais importante, a considerar a época extrema que é a nossa. Pensar e questionar a maneira como notícias são produzidas, o motivo de ganharem nossa atenção ou nosso desprezo, é uma tarefa vital para que permaneça disponível um jornalismo que ajuda a entender os solavancos pelos quais passamos  enquanto brasileiros e testemunhamos o negacionismo mortal. Enquanto a humanidade é testada por ameaças autoritárias e antidemocráticas em várias outras partes do mundo também. Ainda que possa parecer ingênua a lógica de Botton de que o noticiário honesto torna o mundo um lugar melhor e que "diminuem-se as chances de preconceito, medo, engano e agressão", pense em como seria a vida de todos nós sem a opção de diferenciar informações reais de mentiras com cara de notícia.


Seguimos com o francês

 

    Por que algumas notícias tem grande repercussão mesmo não tendo muita importância? Por que outras notícias, aparentemente importantíssimas, não ganham nossa atenção? Uma das muitas reflexões de Botton é sobre isso. Para exemplificar uma quebra de lógica no fazer jornalístico, ele lista os 5 milhões de views da notícia sobre a gravidez da duquesa de Cambridge (site BBC). Já a notícia sobre o risco de uma catástrofe humanitária no Congo tem menos de 5 mil cliques. A nossa atenção é o grande valor que a internet disputa quando olhamos as redes sociais, o aplicativo do banco, o cardápio da pizzaria. Dados, emoções e nossos olhos vidrados. Alguns gostam das dancinhas, outros de resenhas de livros, filosofês e o grande ativo que são os tutoriais que ensinam quase tudo. As notícias não competem apenas entre elas, e faz tempo. Tarefas e serviços estão reunidos numa tela que cabe na nossa mão, enquanto é também por ela que escapam nossos minutos de descanso, de não estar atento e nem preso em infinitas notificações.

 

    As notícias estão presentes nas horas livres e nas horas ocupadas porque falamos e queremos falar delas ou porque nos esforçamos para evitá-las, como me disse um motorista de Uber que já brigou demais com o irmão por causa de suas posições políticas. Agora eles evitam conversar sobre atualidades. A conversa sobre polarizar ou não polarizar começou porque ouvimos uma notícia sobre pesquisa eleitoral no rádio do carro. Cinco segundos antes, eu pensava em como estava bom olhar a paisagem e não pensar em muita coisa. Só que já pensando nisso, puxei conversa sobre a notícia.

 

    Como o fim de semana já começou, vou deixar aqui alguns trechos do livro de Botton para agora ou para o início da sua semana. Eles são alguns dos que ficaram comigo após a leitura. Para qual assunto você vai doar sua atenção neste fim de semana? E durante a semana?

 

    “Cabe a nós ficar tão alertas aos clichês midiáticos quanto Flaubert se mostrava diante dos literários. Estes arruínam romances; aqueles podem arruinar nações.”

 

    “O pensamento idealista do noticiário enuncia-se assim: o mal, a passividade e o racismo resultam, sobretudo, da ignorância. Ao ajudar as pessoas a tomar conhecimento do que de fato acontecem em outras partes do mundo, diminuem-se as chances de preconceito, medo, engano e agressão. O noticiário pode tornar o mundo um lugar melhor”.

 

    “Em virtude de seu tamanho e complexidade, o mundo sempre estará além da capacidade de qualquer organismo de fazer perguntas produtivas a seu respeito. As agências de notícias nunca serão capazes de oferecer mais do que mapas hesitantes e, muitas vezes, profundamente equivocados de uma realidade que continuará para sempre variada e fugidia”.

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