Dezembro de 2020 - Maio de 2021: hiato ou permanência?

    A sensação do que era familiar e natural antes da pandemia não volta, quase tudo parece novo, distante, distorcido. O álcool gel que vem com fragrância quer perfumar o caos e colocar um cheiro na rotina que já não é nova, mas não tem como competir com minhas décadas vividas antes do coronavírus. Ele é quem manda e tem a posição da bússola que diz para onde vamos agora.

 

    Saímos de um período de maiores restrições e chegamos a outro com mais liberdade. Laranja, amarelo ou violeta, ainda é tempo de corona e a visão de um simples botão de elevador, o corrimão da escada, o portão da casa ou do prédio mandam ao cérebro o comando de unir as mãos em álcool gel, com ou sem perfume. Lugares em que antes eu nem pensava e nem olhava acendem mensagens de cuidado. Hoje também está mais fácil dar atenção para os olhos de quem encontramos. Contornados pela linha de pano da proteção da máscara parecem ter mais destaque.

 

    Restaurantes e bares abertos com tanta gente juntinha é uma imagem que sai da gaveta das coisas do dia a dia e vai para a da distorção. O que mesmo parece não combinar com a cena? Parece ser tão comum, mas há algo fora do lugar. Por que a mente demora a aceitar? É que o mundo parece estar no meio da cambalhota e ainda não dá pra saber a posição em que fica depois da volta ao chão. 

 

    No mercado, ouço uma pessoa amenizando os cuidados contra o vírus e recomendando a alguém “viver a vida, vocês têm que aproveitar, viver”. A pandemia não acabou, responde minha mente. Falta vacina, sobra vontade de viver. Tanto para quem relativiza quanto para quem segue toda recomendação à risca.

 

E como foi mesmo que tudo isso começou? 

 

    Cientistas continuam a busca pelo hospedeiro intermediário, isto é, o corpo que o vírus usou para sair do mundo dele e cair no nosso sofá da sala, na nossa ida ao trabalho, no encontro com a família, na ida na casa do amigo, no domingo no parque. Passamos a nos hospedar num mundo onde tudo que era costume virou outra coisa. A mentira ganhou um novo super status e tem adeptos e defensores profissionais, a verdade e a ciência vitimizadas por robôs e atacada por fake news precisa cada vez mais de defesa e esforços para permanecer viva.

 

    O vírus corona que já foi chamado de democrático no início da pandemia parece ter transformado nosso habitat num hotel onde aumenta-se a chance de só continuar hospedado quem fez o check-in com a vacina. Outra maneira de separar, apartar, diferenciar e delimitar as linhas do globo, influenciada por decisões políticas que funcionam para uns e mata ou segrega outros. 


    Quem pode viver no mundo em que o vírus é usado para manipular a geopolítica é mais uma imensa questão do nosso tempo. 

 

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