Até quando a democracia aguenta?

     É uma tarefa cansativa, mas necessária, ouvir e ler os lamentos, toda a literatura usada na defesa inflamada da democracia, tudo que acompanha as leituras sobre as trocas de ministros e a saída dos generais bonzinhos de seus cargos, aqueles que defendem a democracia, mas escolheram participar do governo apologista da tortura e da ditadura.  

    Claro que ninguém pode afrontar a democracia, que o Exército não compactua, que as Forças e os Poderes agem com independência, que não há risco de quebra institucional, depois de dois anos de presidente bolsonarista a brincar de tiro ao alvo com as instituições. Claro que não, inimaginável num governo que imagina o retorno do voto em papel, a eficiência da cloroquina e a mutação do ser humano em jacaré. 

    Depois de Jair Bolsonaro demitir ou provocar o pedido de demissão dos três chefes das Forças Armadas, movimento precedido por atos antidemocráticos, por ameaças graves de bolsonaristas ao STF por parlamentares eleitos na sombra do presidente, nascidos com o ódio que ele implementou como política? É inimaginável golpear a democracia no governo de um presidente que imagina conspiração em mamadeira, pequi e homem que fala fino. Imagina!

 

    No governo do capitão que imagina perigo no outdoor do pequi e em qualquer pergunta de jornalistas estão todos prontos para defender a democracia, mas Bolsonaro permanece lá, entrou com anuência de quase todos os que realmente possuem poder no Brasil, muitos que ainda tem a coragem cínica de apontar a ultrapassagem dos limites democráticos como se fosse uma surpresa, como se não estivesse na cara que seria um governo cheio de ameaças de golpe e de ditadura, conduzido por alguém com o conhecido histórico do então deputado Jair Bolsonaro. Acharam mesmo que ele seria um estadista, que fosse lutar pela democracia, pelo STF ou pelos direitos da população? Cinismo!


    O presidente autoritário ainda tem a aceitação de muitos desses poderosos, mesmo depois de mais de 300 mil mortes. Bolsonaro propagandeou e colocou no governo terraplanistas, autoritários de todos os tipos, liberando a boiada, negando o Coronavírus, a vacina, a existência do contraditório (do outro). Foi votado por milhões e escorado por juízes, procuradores, jornalistas, donos de emissoras de TV, celebridades, gente que acha ser possível defender a democracia e apoiar a tirania ao mesmo tempo. Como vai fazer bem a um país um ser que nega a informação e aposta na morte por uma reeleição? Quem continua com Bolsonaro, depois de tudo, não procura essa resposta.  

    

    Os falsos democratas estão prontos para se entregar de novo daqui a um ano e meio. Dirão que a pandemia era inevitável, que as instituições funcionaram, que era direito do presidente defender e falar sobre o que ele acredita. Levantarão a bandeira verde e amarela como que para defender o país, mas sabendo que é um símbolo sequestrado por um movimento ditatorial e mortal, que avança na problematização e foge da solução.

 

     São partidários da ideia impossível de fazer da democracia o ‘conje’ da tirania, sabendo de véspera, e da boca do próprio Bolsonaro seu desejo pelo desmando, sua obsessão com a tortura, com Ustra, com o AI-5. Também é impossível  convencerem alguém de que, agora, estão surpresos com a paralisia do presidente diante dos mortos da Covid-19 ou constrangidos com o apreço da família por transações em dinheiro vivo.

 

    No discurso, na declaração e no Twitter são por preservar a paz e contra a guerra. A Constituição é uma deusa nas palavras, mas testada ao limite do medo e da ameaça pelo presidente eleito por eles, mas eles não ligam. Provocada e peitada o tempo todo por um antidemocrata que só enxerga a si mesmo, de vez em quando a seus filhos.

 

    Após repercutidas as demissões, entra em cena o general apaziguador. Mourão garante que não haverá ruptura. Mourão que tem o posto de vice-presidente garantido por quem? Por Bolsonaro e sua eleição vencida no voto eletrônico, agora polarizado com o voto em papel pelo próprio e eterno candidato vencedor. “Eu vou distribuir o caos e tocar o terror bem alto, você aparece e recolhe os cacos, diminui o volume”. É como se combinasse com o vice, é como Mourão aceita fazer. 

 

    Mas quando é que estamos vitimados pela desinformação e pelo negacionismo, pelas ameaças de morte da democracia no Brasil? É em 2021 e nesse ano também foi assegurado o direito a comemorar e lustrar as atrocidades e os abusos de 1964. Querem comemorar enquanto fingem que não são desmascarados pelo vírus.

 

    Notas inúteis de repúdio, aceleração na ultrapassagem dos limites institucionais, reprovação nos testes de bom mocismo, lentidão na apreciação dos recursos contra o mal governo fazem parte do diversionismo político que atropela a vida do brasileiro no ano 02 da pandemia. Até que ponto a democracia aguenta ser roída?

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