Tempo seco, possibilidade de chuva.


     Antes, logo ali, uma escolha muito difícil era a de Sofia, a da Meryl Streep, o diabo só vestia Prada e não a faixa de presidente da República. Logo ali, poucas décadas atrás, uma escolha difícil era entre estudar de tarde ou de manhã, entre feijão por baixo ou por cima do arroz, praia ou campo, teatro ou cinema, humanas ou exatas, Bossa Nova ou Rock and Roll, Pelé ou Maradona, Sessão da Tarde ou Temperatura Máxima, leite era com Toddy ou Nescau? Faustão já era fofo e Sílvio já era, mas ainda não era . . .   

 

     Tanta saudade de olhar uma onda, e bem podia ser a onda que se ergueu no mar, no melhor título de Ruy Castro, ouvindo a bossa que João Gilberto inventou para nos lembrar de um Brasil mais doce, afável e habitável e criativo e colorido e com ginga e com cores e com várias raças e com caipirinhas e com sushi de doce de leite e com moqueca e água de côco e biscoito Globo e pão com linguiça e vinagrete e samba e carnaval e abraços e Caetano e Nara e Maracanã gritando e mais outro dia bom logo ali e mil sotaques a nos definir e nos misturar, apertados e molhados de sal e areia, uma tarde de sol na beleza escandalosa de um indescritível país. Vamos, vamos ser um país capaz de planejar, de escolher e de evitar. Aceitar com graça e digerir com afeto o pão com mortadela e a coxinha com catupiry. 


     Ficar na praia, olhar a praia, sentir a praia, sem pensar em nada, em frases bonitinhas, em mil análises políticas que nos tirem daqui, que lhe tire a faixa. 


     Jamais ter entrado para história como 300 mil e nem mil. Apenas a praia, qual sabor de sorvete, se tem cadeira ainda, se a amiga vem, se vai continuar sol, se ninguém te leva a toalha ao mergulhar, se trouxe o protetor. Não ter pensado jamais que não há nada capaz de nos proteger_ já pensei, me desculpe, mudei de ideia, agorinha mesmo, porque lembrei da Bossa, da Tropicália, de entrar no cinema, de mesa na calçada com amigos, juntar mais uma cadeira, pedir mais uma, sinal do recreio, primeiro beijo, a culpa gostosa da masturbação, pastel na feira, meu primeiro emprego, beijo no pai.      


     Seria bom caminhar ao vento, sem lenço, sem documento, sem carteirada, sem “cidadão não, engenheiro”, sem bala de borracha, sem polícia que prende porque andava com vinagre e arrasta porque com o celular na mão. Uma arquibancada, um som, chinelo na mão, volta no calçadão. Véspera de feriado, pão na chapa, ter seguido em frente e estar leve, depois da coragem de levar algum não.

 

     Por um instante, não implicar em ser o país do futebol, da bunda, da festa, só do futuro, do jeitinho. E se pudesse, dava sim um jeitinho (só hoje) de voltar a ser alegre esse país; claro que é brasileira a música que canta “é melhor ser alegre que ser triste, alegria é a melhor coisa que existe”.  


     As ondas são apenas do contorno dos edifícios pela janela lateral de São Paulo, sem mar, sem onda, ora sem vento, ora com ventania. Paisagem de inspirações variadas e infinitas possibilidades, mil janelinhas de esperança, hoje talvez de chuva, amanhã de uma melhor aproximação.

 

     Ei Brasil, saudades!

 

 

 

 

 

 

 

 

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